25.9.09

Sergio Bernardes por seus amigos

Com a seleção para a Premiére Brasil no Festival do Rio de 2009, tenho recebido diversos depoimentos de amigos homenageando a obra de Sergio:


Jom Tob Azulay
Cineasta

Acho que uma nota boa e merecida seria sobre o filme do Serginho Bernardes, morto ano retrasado, uma das pessoas mais brilhantes e, eu diria, menos contaminadas da nossa geração, que teve a desdita (ou quem sabe o privilégio, às vezes fico na dúvida...) de se criar sob a Redentora. Pois finalmente um filme dele está tendo a oportunidade de receber o reconhecimento que o cinema dele merece e nunca teve. TAMBORO, um documentário épico sobre o Brasil, certamente ao estilo delirante que ele tinha, foi selecionado para o Festival do Rio. O Sarraceni declarou publicamente, em Parati, me disse a Rosa Bernardes, produtora, que “desde Macunaíma que não surge um filme que pense o Brasil como Tamboro”. A Rosa me conta também que “Desesperato”, um dos primeiros filmes dele, interditado pela Censura, nos anos 70, vai ser lançado pela HECO Produções, na Coleção “Cinema Marginal Brasileiro”. Conta a história, que ao levar o filme para a Censura em Brasília, Serginho publicou um artigo chamando de “cafona” a gravata do censor. Ele tinha essa capacidade que eu invejava profundamente: de conseguir pairar acima da merda.”




Andre Luiz de Oliveira
Cineasta

"Um dos mais audaciosos diretores de cinema do país e um dos mais audaciosos do cinema de maneira geral. Autor de inúmeros trabalhos que revolucionaram a concepção, a edição, a forma e o objetivo da obra cinematográfica. Uma de suas características principais é não usar a palavra como essencial, montando a sua obra sobre a imagem, o som, os ruídos e a música original, assim como um cinema que murmura antes da palavra.

Esta sua característica lhe dá uma vantagem inominável que é o de evitar o desgaste do discurso da palavra comum e introduzir a imagem com todo o seu impacto primordial que, somados, valem por centenas de palavras. Esta é sua característica primordial e singularidade. Seu trabalho apóia-se nos dois pilares do cinema: a magem selvagem tal como ela é tomada na primeira vista, e o som.

Um artista revolucionário, apóia e produz com outros artistas revolucionários, fortemente ligados ao cinema experimental brasileiro e à todas as questões de frente da sociedade onde se cria. Entre os seus títulos, destacam-se três longas metragens: Desesperato, Madre Perola e Tamboro, numa difícil e enorme poética que conquistou através de muitos anos de árduo trabalho e dezenas de viagens aos limites máximos do Brasil.

Captador de imagens do Brasil, ímpar entre os seus pares, no qual filmou os mais remotos e inacreditáveis cenários, alguns deles vistos anteriormente nesta dimensão como as cachoeiras do Urariquera no Amazonas, o complexo do Monte Roraima, o Raso da Catarina dos sertões da Bahia, tendo chegado ao limite dos desafios técnicos e vitais nestas filmagens."

A partida prematura de Sergio Bernardes ontem, dia 06 de julho de 2007, paradoxalmente deixa o Brasil mais pobre como resultado da sua ausência física e mais rico com o recebimento do seu legado artístico. Não digo isso de forma generalizada para lamentar a perda de um grande artista. Digo, especificamente, porque considero o filme TAMBORO de Sergio Bernardes o mais belo filme realizado sobre o Brasil e o seu povo.

Um filme fácil de ver e difícil de descrever tamanha a quantidade de imagens de altíssima sensibilidade que nos entram por todos os poros, associada a uma leveza emocional suficientes para ficarmos simplesmente preenchidos de tudo que estamos e que não estamos, assistindo.

Quando falei ao final da seção, com toda a sinceridade o que eu achava do seu filme (graças a Deus tive tempo de falar isso), vi o menino de sempre arregalar os olhos de baixo pra cima na sua habitual timidez e complexa humildade, não saber direito administrar o que ouvia e num gesto condescendente, meio sem graça, esboçou quase uma admoestação: - "...fala baixo, fala baixo!". (07/07/2007)

Fonte





Lula Araújo
Fotógrafo de TAMBORO



O PATRIOTA

- Olha que lindo é o nosso país! Que riqueza exuberante!
Sobrevoando de helicóptero as mais belas paisagens do Brasil, somando mais de 80 horas de vôo usando o NOUSECAM com uma AATON PROD super 16mm, Sérgio Bernardes sempre demonstrou o seu amor pelo país, elevando nossa energia (Kito e Lula) para com a beleza que vislumbrávamos! Preocupado com o desdobramento das ações anti-ecológicas, foi defensor eterno da preservação ambiental.

Passamos por várias situações de risco:

# Helicópteros - na Amazônia fizemos treinamento para abastecer a aeronave, para diminuir o peso, reduzir equipe para vôos rasantes. Em Roraima, acompanhando o serpentear de um rio, quase batemos num cabo de aço aéreo, parando a menos de um metro, foi um susto! No sul, nos Aparados da Serra, lugar lindo, parece uma grande rachadura da terra, uns 30 metros de largura, 50 metros de profundidade e uns 3 kms
de extensão, foi onde pegamos outro cabo aéreo, desta vez pra valer! Freou instantaneamente o aparelho, que começou a cair de cauda, mas o corta cabo (em baixo da hélice tem uma espécie de faca para este fim), graças a Deus nos salvou a tempo, e nosso piloto conseguiu se sair bem, O suspiro do alívio é uma sensação indescritível. Fizemos um pouso de emergencia, para averiguar a avaria,num campo de uma família de lavradores, muito simpáticos. Sérgio aproveitou para fazermos mais uma tomada do filme.

# Madeira de lei - Marabá/PA - o IBAMA fez a maior apreensão de Mogno no rio Xingu, com mais de 2 km de extensão, troncos boiando feito jangadas, todos amarrados com cabos de aço, numa área totalmente desmatada. Parecia um paliteiro, fizemos várias tomadas. Tinha nas margens alguns tapiris (abrigo feito de sapê), para os olheiros, o vento do helicóptero desmanchou quase todos.
- Precisamos de uma escala humana!
Não tinha como entender o tamanho daquilo,sem ter um homem nos troncos! O Próprio Sérgio Bernardes desceu da nave, em cima de uma daquelas jangadas e ficou ali, de braços abertos. Que coragem!!! Fizemos a tomada rapidinho para logo resgatá-lo. Na cidade que ficamos hospedados,sofremos ameaças dos madeireiros, por estarmos juntos com os fiscais do IBAMA. Os fiscais sofrem represálias constantemente.

# Baile Funk na Maré - Sérgio conseguiu contato na comunidade, para filmagem do AFRO REAGEE no complexo do alemão, e com dificuldade conseguiu também autorização para filmar o Baile Funk. O jeito grandalhão dele, ganhava todo mundo com simpatia, onseguia tudo! Sempre usando steadicam, nos deslocavamos com facilidade, em todos os lugares, com a benção de Deus! Flagramos a saída de um arrastão, com homens armados (mascarados), cena forte do filme. Esse deu medo! As aéreas do Rio foram espetaculares! Rasantes ao amanhecer sobre todas as favelas, nos lixões, e claro, as belezas da nossa Cidade Maravilhosa! Momentos tão preciosos de nossas vidas e emocionantes!

Sérgio Bernardes é um ícone da cinematografia brasileira, deixando um registro que sempre será lembrado por nós, pela delicadeza com que tratou a vida, seus amigos e seus familiares. Agradeço a Deus por ter vivido intensamente nos últimos 10 anos, esta amizade.